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A educação clandestina no Gueto de Varsóvia


Crianças e adultos judeus, retirados à força e enviados aos campos de extermínio pelos nazistas, após o levante do Gueto de Varsóvia, em 1943. A foto, de autor desconhecido, que se tornou um dos retratos mais pungentes da Segunda Guerra Mundial, fazia parte do relatório enviado a Heinrich Himmler, comandante-geral da SS (foto: Wikimedia Commons)

A invasão da Polônia pela Alemanha nazista, em 1º de setembro de 1939, é considerada o início oficial da Segunda Guerra Mundial. A ocupação alemã da porção ocidental do território polonês perdurou até o final da guerra, em 1945. Para os judeus da Polônia, sob o domínio nazista a vida transformou-se em um pesadelo que começou no primeiro dia e, ao longo de seis anos, provocou a morte de 90% da população judaica, cerca de 2,9 milhões de pessoas.

Os judeus não foram as únicas vítimas. Nos seis campos de extermínio construídos pelos alemães na Polônia (Auschwitz-Birkenau, Treblinka, Belzec, Chelmno, Sobibór e Majdanek), milhões de não judeus foram também sistematicamente assassinados: comunistas, eslavos, ciganos, portadores de deficiências físicas ou mentais e outras pessoas que a ideologia nazista classificava com Untermenschen ("sub-humanos").

Nesse cenário diabólico, o pior e o melhor da natureza humana vieram à tona. Em contraste com os simpatizantes do nazismo que entregavam seus vizinhos "indesejáveis" para as forças de ocupação e para a morte, milhares de poloneses arriscaram suas vidas para esconder judeus e outros perseguidos. Um eloquente exemplo do melhor foi a educação clandestina promovida no Gueto de Varsóvia, onde os nazistas haviam confinado a população judaica da capital e de outras localidades.

Apesar do muito que já se disse sobre o Holocausto, essa passagem da história era pouco conhecida. Agora, ela foi posta ao alcance do público leitor brasileiro pelo livro Gueto de Varsóvia: educação clandestina e resistência, de Nanci Nascimento de Souza, publicado com apoio da FAPESP.

"Li vários livros que mencionavam de passagem a educação como uma das formas de resistência praticadas pelos judeus no contexto do nazismo e da Segunda Guerra Mundial. Ao me interessar pelo tema, imaginei que iria reunir essas pequenas citações para compor um quadro. Não tinha ideia de tudo o que iria encontrar. Foi por meio do Instituto Histórico Judaico de Varsóvia [Jewish Historical Institute Warsaw] que entrei em contato com o extraordinário arquivo reunido pelo historiador, político e educador judeu-polonês Emanuel Ringelblum [1900-1944], que viveu no Gueto", disse Souza à Agência FAPESP.

Graduado pela Universidade de Varsóvia, onde se doutorou em 1927 com uma tese sobre a história dos judeus poloneses durante a Idade Média, Ringelblum era um entusiasta da língua iídiche e da causa socialista. Participou da ala esquerda do partido Poale Zion (Trabalhadores de Sião), de orientação marxista. E desenvolveu intensa atividade social, política e cultural.

"Ele se opunha ao uso do hebraico em substituição ao iídiche. Esse idioma, que era a língua das pessoas comuns, foi extremamente valorizado por Ringelblum", disse Souza.

Quando os nazistas invadiram a Polônia, Ringelblum estava em Genebra (Suíça), participando de um congresso como representante do partido. Poderia ter aproveitado a oportunidade para fugir para os Estados Unidos, como outros fizeram, mas considerou que era seu dever regressar a Varsóvia, para "estar junto com todos os judeus". Ele e sua família foram confinados no Gueto.

"Os nazistas implantaram o Gueto no local onde ficava o antigo bairro judaico de Varsóvia. Mais de 450 mil pessoas foram comprimidas nesse espaço exíguo. E a área foi progressivamente reduzida ao longo da ocupação. Também foram progressivamente restringidas as condições básicas de vida", disse Souza.

"Os judeus não tinham direito ao ensino, à cultura, à prática da religião. Os alimentos ficaram cada vez mais escassos, a comida que podia ser produzida no interior do Gueto não era suficiente, e a fome tornou-se crônica. Em muitos internatos, por falta de recursos, as crianças ficavam nuas, mesmo nos meses frios", disse.

Segundo a pesquisadora, o Gueto se transformou em um espaço de exclusão, desumanização e aniquilamento, "uma antessala dos campos de extermínio".

Ela explica que, em dezembro de 1940, quando o Gueto já havia sido fechado hermeticamente, os professores judeus decidiram assumir o risco de educar as crianças menores de 14 anos – que eram mais de 30 mil em idade escolar na época.

"Improvisaram, em diversas casas, escolas clandestinas. Providenciaram alimentos, roupas e condições mínimas de higiene. Ensinaram o idioma iídiche, literatura, matemática. Transmitiram noções sobre direitos, valores éticos e solidariedade. E devolveram às crianças o direito à infância – inclusive com a oportunidade de brincar", disse.

Paralelamente, a essa atividade educacional e assistencial, esses educadores, de orientação progressista, promoveram uma campanha no Gueto para que todos passassem a falar em iídiche, considerado a língua nacional judaica. Aqueles que não sabiam deveriam aprender. E um teatro de alto nível, em iídiche, foi produzido sob as condições mais adversas.

Nesse contexto, ao lado de sua incansável atividade como educador, Ringelblum criou um grupo, chamado Oyneg Shabbos ("A Alegria do Shabat", em iídiche), para recolher informações, materiais e depoimentos e registrar tudo o que acontecia no Gueto.

Intelectuais e pessoas comuns integravam esse grupo, que atuava clandestinamente, colecionando diários, documentos, cartazes e tudo o que pudesse dar conta do que era a vida dessa comunidade confinada, para que nada fosse esquecido, e, mesmo que a vida fosse subtraída, a memória perdurasse. Cerca de 25 mil folhas foram reunidas pelo grupo, guardadas em latões de leite vazios e escondidas em diversos edifícios.

Histórias da Repressão e da Resistência

Em 19 de abril de 1943, os habitantes do Gueto se insurgiram contra a decisão nazista de transportar a população judaica remanescente para o campo de extermínio de Treblinka. O levante foi duramente reprimido pelas forças da SS (Schutzstaffel), a criminosa tropa de elite nazista, e o Gueto foi incendiado. Cerca de 13 mil judeus morreram, a metade queimada viva ou sufocada pela fumaça.

Ringelblum e sua família conseguiram escapar e se refugiar no "lado ariano" de Varsóvia. Mas, em 7 de março de 1944, a Gestapo (Geheime Staatspolizei), a polícia secreta nazista, descobriu seu esconderijo. Ele, seus familiares e os poloneses que os esconderam foram fuzilados na prisão.

Ringelblum deixou para a posteridade o extraordinário legado de seu arquivo, grande parte do qual foi recuperada entre os escombros de Varsóvia após o final da guerra. Um pouco do conteúdo desse vasto material está disponibilizado agora pelo livro de Souza, como um tributo ao papel da educação no aperfeiçoamento da humanidade.

O livro Gueto de Varsóvia: educação clandestina e resistência integra a coleção Histórias da Repressão e da Resistência, produzida pelo Laboratório de Estudos sobre Etnicidade, Racismo e Discriminação (LEER), coordenado pela professora Maria Luiza Tucci Carneiro no Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP).

Leia mais sobre pesquisas produzidas pelo LEER em http://agencia.fapesp.br/24988.


José Tadeu Arantes  |  Agência FAPESP


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