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Educação formal e não formal


Do sistema escolar ao sistema educacional

Elie Ghanem

 

Dois campos de uma realidade fragmentada

Pode-se dizer que a educação dita formal é muito recente na história humana. Não porque ela coincida – o que é um fato - quase completamente com a educação escolar, pois esta já existia séculos antes de Cristo na Antigüidade Clássica. Mas, porque o caráter formal da educação decorre essencialmente de um conjunto de mecanismos de certificação que formaliza a seleção (e a exclusão) de pessoas frente a um mercado de profissões estabelecido, que só começou a se configurar há cerca de 250 anos.

A educação escolar foi ajustada a esses requisitos quando a chamada estrutura ocupacional se urbanizou e uma parcela importante da economia poderia ser suprida com ocupações compatíveis com o uso de saberes tipicamente escolares. Isso não se deu logo no século XVIII, quando a escola passou a cumprir sua função no projeto político de conformar tipos de cidadania modernos e aqueles saberes foram originalmente escolhidos como condição para o uso da razão, cumprindo exigências de uma concepção de liberdade. A aproximação entre escolarização e economia se acentuou na Europa, na segunda metade do século XIX e, marcadamente em outros continentes, cem anos depois. A educação escolar delineada a partir daquele fim político e, bem depois, com base naquela função econômica, vindo a ser provida, financiada e reconhecida formalmente pelo Estado, passou a estar no centro das cogitações educacionais no espaço público, servindo de modelo a outros processos educacionais e se tornou objeto quase exclusivo da formulação e implementação de políticas educacionais.

Decerto outras necessidades coexistiam com as que demandaram educação formal e, para aquelas, uma grande variedade de esforços educacionais não formais se foram experimentando, seja para sustentar a luta por novos direitos, seja para exercer os que chegaram a ser legalmente consagrados, seja mesmo para responder a diversos apelos do dinamismo da economia que não encontravam solução suficiente na educação formal. Esta persistiu em suas características essenciais e no tratamento que sempre recebeu no espaço público, não obstante a estrutura ocupacional ter-se modificado, ter atravessado crises e ter assistido à saturação dos mercados de trabalho, com a inflação de diplomas, a desvalorização de sua remuneração e a crescente inadequação dos saberes dos quais se supôs que os diplomas seriam a garantia. Muito esquematicamente, assim se delineou um campo de educação formal separado, indiferente ou até contrário a outro, de educação não formal.

O Brasil é um exemplo dentre muitos países nos quais a separação entre educação formal e não formal é estanque e nítida. Não só pela minuciosa regulamentação legal da primeira em contraste com a da última, mas também devido ao acentuado alheamento entre ambas. É dessa realidade, essencialmente com base na experiência brasileira, que serão lançadas aqui algumas considerações.

Sem anular o que foi dito acima, é preciso sublinhar que, num dos mais abrangentes e isentos trabalhos sobre o tema, Trilla (1985) critica e ultrapassa o sentido freqüentemente impreciso com o qual se caracteriza a educação não formal e a informal por oposição à educação escolar. Ele, além disso, diferencia não formal de informal no amplo e heterogêneo setor educacional que resta para além do escolar, considerando os meios que "estão organizados para a consecução de objetivos educacionais explicitamente formulados, e os que foram conformados a partir de intervenções pedagógicas específicas" (TRILLA, 1985:13-14). Ele situa nesses diferentes compartimentos, por exemplo, respectivamente, um programa de televisão para ensino de língua estrangeira e um filme seriado de TV, um curso de reciclagem profissional e aprendizagens que se adquirem diretamente no processo de trabalho. Nesses casos, a intencionalidade no que diz respeito à modificação de condutas é o critério de classificação da não formal e da informal.

Para Trilla, a melhor caracterização da educação informal é o fato de se produzir indiferenciadamente de outros processos sociais: sua "forma" propriamente educacional "não emerge como algo distinto do curso próprio da ação ou situação em que o processo transcorre" (TRILLA, 1985:18).

a) na educação informal, não existe o reconhecimento social generalizado do papel educacional do agente como função própria ou específica (este não apresenta nenhum atributo especial e explícito que, no marco do processo educacional de que se trate, credite-o propriamente como educador; b) o contexto (espacial, institucional...) do processo que gera os efeitos educacionais não é especificamente reconhecível como educacional (sua configuração não denota aprioristicamente educatividade). (TRILLA, 1985:19)

Já a educação não formal contém igualmente grande quantidade e variedade de meios e programas, que Trilla (1985:38) agrupa em funções referentes ao mundo do trabalho, à educação escolar, à educação permanente, à vida cotidiana, à educação especial e a outros aspectos diversos, ainda que sejam funções compartilhadas também com a educação formal e com a informal. Menciona a capacitação profissional para o primeiro emprego, a requalificação, a reciclagem e o aperfeiçoamento profissional, a orientação profissional e vocacional e a qualificação técnica. Também o ensino a distância em substituição aos meios escolares, a complementação da escola com recursos didáticos (TV, museus, bibliotecas e fazendas, colônias de férias, intercâmbios, grupos de teatro e esportivos), programas compensatórios, preparação para ingresso na universidade, ensaio de métodos e materiais educacionais, formação de pessoal para o magistério, alfabetização de pessoas adultas, formação social, política e religiosa, formação estética e artística, formação física e desportiva, animação cultural, educação para o ócio, ambiental, sanitária, sexual e familiar, cívica, educação especial, educação de rua, reabilitação de pessoas drogaditas, desenvolvimento pessoal e em relações humanas (TRILLA, 1985:38-42).

A educação não formal, numa consideração metodológica, é entendida como procedimentos (ensino a distância, meios itinerantes etc.) que se separam das formas escolares convencionais. Numa consideração chamada estrutural, os conteúdos, habilidades e destrezas geradas não fazem parte do sistema educacional graduado, não supõem alcançar um título, grau ou nível oficial. Em síntese, para ele, educação não formal é o

(...) conjunto de meios e instituições que geram efeitos educacionais a partir de processos intencionais, metódicos e diferenciados, que contam com objetivos pedagógicos prévia e explicitamente definidos, desenvolvidos por agentes cujo papel educacional está institucional ou socialmente reconhecido, e que não faz parte do sistema educacional graduado ou que, fazendo parte deste, não constitui formas estrita e convencionalmente escolares. (TRILLA, 1985:22)

Um ponto, porém, particularmente importante é que, baseado em Callaway (1973:31-45), Trilla também afirma que a educação não formal é um setor cujos meios e atividades não se vinculam nem se conectam entre si. No entanto, note-se que, na educação escolar (inegavelmente exemplo de educação formal), meios, atividades e mesmo objetivos têm vínculos puramente artificiais. No Brasil, o que se denomina sistema educacional é considerado, na prática, apenas um conjunto de sistemas escolares, reduzidos a órgãos administrativos e estabelecimentos de prestação direta de educação básica pública. Esta se divide em estabelecimentos de educação infantil (centros para crianças de até 3 anos e escolas para crianças de 4 a 6 anos), escolas de ensino fundamental (regularmente para pessoas de 6 ou 7 a 14 anos de idade, também oferecido a pessoas adultas que não o concluíram naquela faixa etária) e escolas de ensino médio (com três anos de duração).

Os serviços de educação escolar básica se dão por unidades públicas ou por aquelas mantidas por particulares, configurando dois grupos próprios, sem colaboração entre si. Têm em comum somente a mesma legislação reguladora e a mesma fiscalização do poder executivo.

Além da educação escolar básica, há a educação superior, composta por centros, institutos, escolas, faculdades e universidades. A educação superior também é dividida em dois campos dissociados, o das instituições públicas e o das particulares. Ambos habilitam e diplomam a maior parte de profissionais do magistério da educação básica. Nisso consiste o principal nexo entre os níveis escolares básico e superior.

No pacto federativo brasileiro, há três tipos de entes federados, dispostos numa hierarquia de crescente abrangência, que vai do nível municipal, passando pelo estadual até o federal, que abarca todo o território nacional. Em obediência à Constituição, governos municipais são responsáveis prioritariamente pela oferta de estabelecimentos de educação infantil e de ensino fundamental, enquanto os governos estaduais devem encarregar-se prioritariamente também das escolas de ensino fundamental, além das de ensino médio. Os três níveis de governo (municipal, estadual e federal) se relacionam tipicamente em torno da disputa dos recursos públicos para a escolarização, de modo que, mesmo tomando isoladamente a educação realizada nesse setor governamental, a cooperação só se dá eventual e acidentalmente, sobretudo quando é favorecida pela existência das mesmas coalizões partidárias em diferentes níveis de governo.

No interior de cada sistema de educação escolar básica estadual ou municipal, há também uma hierarquia administrativa, na qual os órgãos do nível superior determinam diretrizes de política, os do nível intermediário exercem controle quanto à execução das diretrizes e, no nível inferior, pretende-se que as diretrizes sejam executadas, pois, neste, situam-se os estabelecimentos em que ocorrem diretamente as práticas educacionais. Pretensão que se vê seguidamente frustrada pelo próprio fato de que as pessoas encarregadas da execução não são também as que concebem as diretrizes a serem cumpridas.

Cada estabelecimento escolar, por sua vez, além de ter previsivelmente uma composição e uma dinâmica peculiares, costuma atuar praticamente de forma a desconsiderar a atuação dos demais. É muito comum que escolas subordinadas a um mesmo governo estadual trabalhem sem qualquer ligação entre si, ainda que sejam localizadas em um mesmo bairro e até que a distância física que as separa seja inferior a um quilômetro, ou que parte de seu corpo docente lecione algumas horas do dia em uma e em outra, ou sobretudo que sirvam a grupos populacionais de idênticas características sócio-econômicas. A mesma discrepância ocorre habitualmente entre estabelecimentos municipais e entre estes e os estaduais.

Todas essas ramificações da educação escolar não significam divisão racional e solidária de funções. Comportam uma multiplicidade de orientações e seu alto potencial de incoordenação. São antes fragmentação e desencontro, o que destitui de sentido as expressões "sistema escolar" e "sistemas escolares" atribuídas a tal emaranhado de atividades cujas conexões são puramente formais. Esses aglomerados de serviços da mesma natureza não podem ser apropriadamente chamados de sistemas.

Somando-se a isso o fato de o universo educacional ser abordado no espaço público de forma reduzida à educação escolar, não cobrindo nada do incomensurável conjunto de outras práticas educacionais, torna-se impossível identificar a existência de algo passível de ser justificadamente denominado de sistema educacional. Um significado condigno para a expressão sistema educacional conferiria a este propriedades indispensáveis para conjugar formal e não formal em benefício de uma educação para respeitar os direitos de toda pessoa humana. Assim, um sistema educacional propriamente dito resultaria do que Torres (2007:2) nomeia de incidência em educação, abarcando: não só o sistema escolar, mas, o campo educacional em seu conjunto; não só o que se costuma considerar política educacional, mas, todas as políticas econômicas e sociais que têm a ver com condições de ensino e de aprendizagem; não só as políticas, mas, o fazer educacional (cenários, atores, mentalidades, relações, práticas que configuram e sustentam cotidianamente a educação em nível local e nacional, dentro e fora do sistema escolar); não só as políticas, mas, a política, matriz na qual se moldam todas as políticas e o modo de desenhá-las e as gerir; não só organizações da sociedade civil, mas, a comunidade educacional e cidadãos(ãs) em geral, especialmente pais de família, estudantes e comunidades territoriais; não só os governos (nacionais e locais), mas, também o setor privado, a Igreja e os organismos internacionais, atores fundamentais por trás das políticas e da política em nível nacional e internacional.

 

Conquistas e limitações da educação formal

A criação e ampliação de sistemas escolares públicos trouxeram extraordinária contribuição para a democracia, por sua perspectiva de abrangência universal, viabilizada por seu caráter gratuito. Sobretudo a dimensão da igualdade foi promovida, seja porque uma parte dos serviços do Estado alcançou segmentos sociais antes não tocados por este, seja porque, com essa difusão, as escolas se tornaram, em considerável medida, lugares de convívio entre pessoas de diferentes níveis de renda. Também porque os momentos de impulso da urbanização abriram vias de mobilidade social ascendente, para a qual a escolarização e os diplomas adquiriram a maior importância. Paralelamente, a propagação de saberes escolares forneceu instrumentos para contingentes mais amplos compreenderem direitos estabelecidos ou engajar-se com mais eficiência na luta por direitos. Ainda na dimensão da igualdade, a escola atuou como meio de integração cultural, necessária à consolidação de identidades nacionais que fundamentaram a afirmação de direitos de cidadania.

Não obstante essa epopéia (certamente não concluída), as funções da escola como educação formal contrastam com as da educação não formal apontadas por Trilla (1985:23), que primam pela diversidade: educação permanente (meios de alfabetização de pessoas adultas, programas de expansão cultural etc.), complementação da escola, pedagogia do ócio, formação profissional, formação cívica, social, política, ambiental, física, sanitária etc. Da mesma maneira, diversificados são os métodos, procedimentos e instituições da educação não formal: sistemas individualizados e coletivos, presenciais e a distância, uso de tecnologias (sofisticadas, artesanais ou rudimentares), programação detalhada ou de definição muito genérica. A mesma diversidade caracteriza seus objetivos, abrangendo qualquer tipo de objetivo cognoscitivo, afetivo ou psicomotor, os três famosos tipos da taxonomia de Bloom (1956).

Os meios educacionais não formais podem cobrir uma ampla gama de funções relacionadas com a educação permanente e com outras dimensões do processo educacional global, marginalizadas ou deficientemente assumidas pela instituição escolar. (TRILLA, 1985:24)

Além de indicar essa amplitude de objetivos, Trilla (1985:23) concorda acertadamente com Brembeck (1976), para quem a educação não formal é particularmente idônea para a satisfação de necessidades muito imediatas e próximas e, por isso, os meios não formais estariam realmente orientados para produzir efeitos a curto prazo.

No outro extremo, o fluxo escolar abrange muitos anos, deixando subjacente a perspectiva de um longo "preparo para a vida" (entendida como vida adulta, produtiva ou civil). Nessa perspectiva, há uma forte correspondência entre educação escolar e o período de infância e juventude. Essa perspectiva se vê contrariada porque grande parcela de jovens e mesmo crianças a interrompe (ou a vê interrompida), na obrigação de cumprir com responsabilidades que deveriam ser exclusivamente adultas. Mas, ainda que não houvesse tal interrupção, é preciso ressaltar que a perspectiva da educação escolar como longo "preparo para a vida" não deve ser entendida de maneira natural ou desejável, forma como geralmente é vista. Basta lembrar as críticas que a esta fez todo o movimento de "educação nova" e cada um de seus expoentes (cf. Dewey, por exemplo, em Teitelbaun & Apple, 2001:4).

Além dessa limitação manifesta na perspectiva temporal, há limites de caráter espacial, pois a escola paralisa o trabalho educacional em um lugar criado única e expressamente para isso, fixo e previamente definido. Para alterar esses traços, porém, a mobilidade conferida pela tecnologia audiovisual não se mostrou suficiente, assim como o uso de diferentes instalações tais como ônibus-bibliotecas, museus, centros recreativos, desportivos, fazendas ou mesmo os prédios escolares em horários fora das aulas regulares. Mais ainda, essas modificações não significaram alcançar uma escola aberta aos conflitos sociais. A escola continua preocupada estritamente com os chamados conhecimentos instrutivos – ou pior dizendo, os chamados "conteúdos" – e indisposta a criticar e responder aos problemas que envolvem conflitos, tanto os de grande amplitude quanto os do microcosmo escolar. Nessa perspectiva, Petrus, por exemplo, fala de "hermetismo da escola", "autismo escolar", "falta de vida comunitária", "baixo nível de satisfação de seus usuários". Chega a propor a violência como objeto de atenção escolar, considerando-a como conteúdo e acreditando que

(...) Quando nossos jovens conhecerem o que é a violência e tiverem a oportunidade de falar livremente dela em sala de aula, a violência perderá parte do atrativo pessoal e tribal que atualmente possui para alguns de nossos alunos. Além disso, conhecer um problema é o início de sua solução. (PETRUS, 2003:73)

Essas indicações sugerem que muito da "vida real" sequer chega a ser aludida por temas escolares. Aliás, entre os fatores de desenvolvimento do setor não formal, Trilla (1985:131) situa a crise dos sistemas educacionais estabelecidos, pelo desequilíbrio entre o que se dispunham oferecer e os requerimentos dos contextos sociais. Os sistemas escolares se revelam obsoletos para satisfazer tais requerimentos, de modo que a expansão da escola não serviria para fazer frente a estes, seja numa perspectiva de "transformação social" seja na da simples reprodução. Estudos especializados passaram a alargar o conceito de educação assim como a demanda social por educação se ampliou, elevando-se as expectativas por intervenção sobre o ócio infantil, por níveis superiores de ensino, por diversidade de áreas educacionais. O desenvolvimento tecnológico proporcionou a incidência dos meios de comunicação de massa na formação tanto quanto potenciou procedimentos individualizados. Transformações na estrutura familiar se conjugaram com o aumento da esperança de vida, além de colocarem a necessidade de custódia na ausência dos pais durante o trabalho. Mudanças nos ambientes de trabalho, por sua vez, multiplicaram demandas de capacitação profissional.

Tudo isso ocorreu em contextos de recorrentes crises econômicas, ao passo que os custos de oferecer serviços escolares se tornaram crescentes. Porém, a instituição escolar não teria perdido espaço em favor da educação não formal, apesar de suas precariedades e das críticas de que é alvo.

Certamente a escola segue funcionando intensiva e massivamente. Não cede terreno ao não formal, ao menos de forma muito notória. Em todo caso, dá-se uma complexa dinâmica pela qual meios ou modos em princípio não formais podem ser assumidos pela escola, enquanto, em outros casos, tarefas tradicionalmente escolares são extraídas dela. (TRILLA, 1985:142)

Ressalte-se, entretanto, que, para "se adequar à democracia, também não bastaria à educação escolar brasileira promover a multiplicação de aprendizagens" (GHANEM, 2004:218). Aquela assimilação de traços não formais pela escola não terá grande vigor nem será satisfatória se não se superar o modelo da escola como organização especializada em outorgar saberes. Isso vale também para a educação não formal.

 

Dinamismo e desorientação da educação não formal

A educação não formal, por sua vez, supõe também a intenção de estender a educação e, por isso, a maioria da população que atinge é de pessoas menos incluídas no sistema escolar convencional, ainda que não esteja dirigida a determinados grupos de idade, sexo, classe social, habitat urbano ou rural etc. Essas pessoas apresentam grande motivação intrínseca, sua adesão a programas costuma ser voluntária e, sendo seus interesses e necessidades mais claramente assumidos, podem seguir ou abandonar os programas conforme entendam que estes satisfazem ou não suas expectativas.

As formas de recrutamento, o status profissional e a formação de quem desempenha função educacional em programas não formais são muito variáveis, uma vez que a exigência de títulos acadêmicos é menor e relativizada (cf. TRILLA, 1985:26). Algumas dessas pessoas passaram por curtos programas de formação, como é comum em campanhas de alfabetização (muitas vezes, são estudantes ou pessoas com um pouco mais de domínio da escrita que aquelas a quem se dedicará seu trabalho alfabetizador), outras contaram com longa e ampla formação. Essa liberdade para a composição do pessoal que trabalha nos programas possibilita escolhas que levem em conta adequadamente as finalidades propostas e os recursos disponíveis, assim como freqüentemente dá margem à superexploração, à instabilidade das equipes ou a oscilações no profissionalismo de seu desempenho. Não é também suficiente para que os indivíduos engajados no trabalho educacional constituam equipes articuladas e para que extraiam bom proveito das múltiplas características de experiência, origem e formação possíveis.

Mas, os chamados conteúdos tendem, segundo Trilla (1985:27), ao contrário do sistema formal, a ser selecionados e adaptados considerando-se necessidades autóctones e imediatas das áreas de atuação. Seriam, assim, mais contextualizados, funcionais, de caráter "menos abstrato e intelectualista". A mesma flexibilidade se encontra nos métodos e técnicas empregados, que derivam dos conteúdos, do contexto e do grupo de participantes, cabendo procedimentos individualizados ou não, assim como o uso ou não de meios tecnológicos. Metodologias ativas e intuitivas tendem a se sobrepor a outras verbalistas ou memorísticas. A não obrigatoriedade de acoplar-se a estruturas, hábitos e formas organizativas próprias da escola explica a aplicação mais direta e livre de constrangimentos daqueles procedimentos, inclusive quanto a calendários e horários, aspectos operacionais, mas, de suma importância na concretização dos fins gerais do trabalho educacional. No entanto, se essas vantagens têm que ser admitidas na comparação com a escolarização formal, não deveriam fazer com que se deixasse de perguntar: por que a escola deve ser aceita em suas estruturas, hábitos e formas organizativas, portanto, em seus aspectos de constrangimento?

Distantes desse questionamento, cursos superiores de pedagogia social vêm configurando tentativas de tratamento organizado à educação não formal. Com preocupações conceituais análogas àquelas referentes à educação não formal, Trilla (2003) recorre à noção "ar de família", de Wittgenstein, para descrever o uso da expressão pedagogia social em vez de tentar defini-la. Wittgenstein fez isso com o que se chama de jogos, pois, olhando-os "vemos uma complicada rede de semelhanças que se superpõem e se entrecruzam" (WITTGENSTEIN, 1988:87-88 apud TRILLA, 2003:15). Na Espanha, a formação acadêmica em educação social inclui a "educação especializada", a "educação de pessoas adultas" e a "animação sociocultural" e Trilla diz que não é "simples delimitar o objeto próprio e específico da educação social globalmente considerada em relação a outros objetos pedagógicos, sociais e culturais, tampouco é fácil delimitar com precisão aquelas três parcelas internas da mesma" (TRILLA, 2003:31). Mas, para que seria necessário fazer uma tal delimitação exata? Aparentemente, a necessidade advém da lógica própria das disciplinas que organizam e dão identidade a cursos, lógica presidida por uma ordem administrativa e pelas pressões de um mercado de trabalho profissional, aspectos em geral alheios à vida interna dos processos de aprendizagem e até mesmo estranhos à densidade e diversidade da prática profissional.

A "educação especializada" definia seu objeto a partir dos grupos destinatários ("populações em situação de risco de inadaptação ou marginalização") e a "educação de pessoas adultas" fazia o mesmo, mas, restringindo o seu universo às pessoas adultas, enquanto a "animação sociocultural" compreendia inclusive aqueles grupos, mas não se circunscrevia a eles. Embora não veja com preocupação a falta de fronteiras entre esses âmbitos de um mesmo campo de exercício profissional, Trilla considera natural haver contenciosos profissionais entre "educadores sociais" e "trabalhadores sociais" (TRILLA, 2003:33). O que é perceptível porque estes se definem mais pelo campo da assistência, mas, sua atuação encerra necessariamente alguma prática educacional.

Um dos traços comuns àqueles três âmbitos, por exemplo, é serem "fortemente contextualizados", partindo das "realidades concretas em que vivem os sujeitos", no sentido de pretenderem que "os sujeitos experimentem alguma mudança, algum tipo de desenvolvimento pessoal", o que requer também "mudar o meio em que vivem" (TRILLA, 2003:39). Ao mesmo tempo em que se salienta na dedicação prioritária a segmentos marginalizados, a posição da educação social – parte importante da educação não formal – foi apontada como marginalizada na pedagogia porque publicava pouco, era pouco considerada nas ciências da educação, estava ausente das leis de educação e dos cursos para formar profissionais (TRILLA, 2003:44). O seu desafio, no entanto, seria comum ao de toda pedagogia: harmonizar o conhecimento artesanal (dinâmico, prático e contextualizado) com o conhecimento acadêmico (abstrato e aspirante a maior rigor científico), ou seja, superar o hiato entre teoria e prática (TRILLA, 2003:45).

A gestão da educação não formal prima por não contar com estrutura que inter-relacione os meios pelos quais se realiza, nem com aparelho de controle na forma de hierarquia piramidal. Trilla (1985:31) assinala também que controles, avaliações e títulos são aspectos de pouca ou nenhuma importância, exceto na universidade a distância, que requer titulações prévias e as atribui também. Ademais, supõe que haja maior capacidade de decisão do pessoal diretamente implicado nos programas, além de participação de educandos(as) na gestão.

O controle de cada meio não formal provém diretamente da instituição ou instituições que o patrocinam. Pode existir certa supervisão por parte dos organismos educacionais governamentais, mas, ao não haver nem uma legitimação muito desenvolvida a respeito, nem uma infra-estrutura administrativa e burocrática muito extensa que se ocupe do setor não formal, sua gestão se realiza de maneira muito independente. (TRILLA, 1985:29)

Quanto ao financiamento das atividades de educação não formal, provém de grande variedade de órgãos públicos, organizações privadas e mesmo internacionais, quando não das pessoas diretamente beneficiárias. Embora as informações sobre custos educacionais sejam sempre controvertidas, ainda quando se trate do universo escolar, tal informação é menos sistemática para a educação não formal e isso dá margem crer que seja mais barata (TRILLA, 1985:30), especialmente porque os custos de pessoal podem ser menores com uso de trabalho voluntário ou de indivíduos não plenamente profissionalizados.

Questionando otimismos ingênuos, Trilla salienta a magnitude e a heterogeneidade da educação não formal, que fariam qualquer generalização crítica ser tão inexata e mistificadora quanto as afirmações indiscriminadas de suas virtudes.

Em realidade, salvo em aspectos que caracterizam diferencialmente a educação formal e a não formal, esta última pode, em seu caso, abrigar idênticos males, que, em seu caso, podem somar-se à primeira. A educação não formal pode ser tão classista, alienante, burocrática, ineficaz, onerosa, obsoleta, manipuladora, estereotipada, uniformizadora etc. como pode ser a formal. (TRILLA, 1985:143)

Essa justa advertência se volta principalmente para recomendações de uso de educação não formal somente em países subdesenvolvidos, tendo em vista substituir a escola por esta ser mais onerosa, uma vez que, nos países desenvolvidos, o crescimento do setor não formal não se dá para substituir a escola.

Tratando da pedagogia social como um universo coincidente com o da educação não formal e o da informal, Trilla assinala que a antipatia pela instituição escolar fez parte de um dos seus mais destacados traços de identidade, particularmente na versão "educação de pessoas adultas".

Uma aversão, sem dúvida, exagerada pois não se davam conta de que, por um lado, certos tipos de escola que eles criticavam, eram tão pedagogicamente nefastos para os adultos como para as próprias crianças. (TRILLA, 2003:42)

A "educação especializada", por sua vez, ter-se-ia originado na máxima expressão da escola, "escolas totais: asilos, hospícios, internatos..." (TRILLA, 2003:42) e, quando tais modalidades foram abominadas, isso se teria estendido à escola em geral. Na "animação sociocultural", ter-se-ia oposto a atividade, a expressividade, a criatividade e a cooperação ao instrutivismo, passividade, verbalismo, fechamento e competição próprios da escola. Da parte da "educação especializada", o planejamento em termos de complementaridade entre esta e escola teria passado a se impor quando um número significativo de escolas assumiu aquele conjunto de atributos positivos (TRILLA, 2003:43).

 

Apenas educação: um amplo sistema educacional

A complexidade da vida social tem levado à maior aceitação de que a educação é resultado das instituições e das relações, mas, se isso tem significado reconhecer que a educação é "responsabilidade de toda a sociedade", não quer dizer que essa responsabilidade venha sendo assumida deliberada e generalizadamente, ainda que se façam afirmações como essas:

Os políticos são educadores – são principalmente educadores, dizia Platão – e a lei é um fator educativo, as cidades possibilitam ou limitam a educação de seus cidadãos e a economia tem mais influência pedagógica que a própria escola ou as políticas sociais. As relações, a cultura, o esporte e os espetáculos são também fatores pedagógicos. E os meios de comunicação incidem em qualquer um de nossos educandos tanto ou mais que o sistema escolar. (PETRUS, 2003:52)

Tem razão Petrus ao dizer que a educação não é um problema a ser tratado apenas por pedagogos ou educadores, uma vez que se torna cada vez mais evidente que tratar desse problema é referir-se "à política, à saúde, ao ócio, à economia, ao trabalho, à produção, à socialização". Mas, é um engano pensar que o erro estaria em "dar uma solução exclusivamente pedagógica a um problema cuja essência é político-social" (PETRUS, 2003:53). Pensar assim é reafirmar o entendimento da pedagogia como campo diferente e dissociado do que é político-social, ainda que se queira a aproximação entre ambos. Também soa contraditório o mesmo Petrus não ver a educação como objeto exclusivo de pedagogos e evocar a autoridade do saber especializado destes para estabelecer o que pode ser considerado educacional.

(...) em muitas ocasiões quem afirma que o louco é perigoso é o balconista ou o vizinho, pessoas que habitualmente nada sabem da loucura. É importante, então, delimitar e definir cientificamente, não politicamente, quais são as problemáticas sociais capazes de ser tratadas educativamente. E isso é responsabilidade, principalmente dos educadores e dos pedagogos. (PETRUS, 2003:56)

Ele quer que a escola trate de temas que lhe são inusuais, tais como desemprego, baixa filiação a sindicatos e partidos, ausência das populações beneficiárias na definição de políticas governamentais, muita pobreza em países ricos e seu predomínio nos outros países, decomposição de identidades comunitárias pela constituição de identidades heterônomas através de meios de comunicação de massa.

(...) A educação é global, é social e acontece ao longo de toda a vida. Se o objetivo da educação é capacitar para viver em sociedade e se comunicar, é preciso admitir que, em algumas ocasiões, a escola adota uma certa atitude de reserva frente aos conflitos e problemas sociais dos alunos. (PETRUS, 2003:60)

Embora seja um passo adiante frente ao modelo escolar iluminista, é ainda uma visão limitada apenas reconhecer que, na escola, também ocorrem situações violentas, conflitos de convivência e conflitos emocionais deixados à margem da exclusiva tarefa de instruir. Esse avanço é condizente com a diretriz de "aprender a viver juntos", difundida internacionalmente, que implica entender a realidade e os direitos próprios e os das outras pessoas e capacitar-se a participar em projetos comuns. Em numerosas vezes, a preocupação de fundo é reduzir a inadaptação de estudantes à escola e fazer com que obtenham desta benefícios que camadas privilegiadas são capazes de receber, afirmando que "o conflito e a violência, por exemplo, não podem ser conteúdos alheios à educação escolar. A escola tem que se abrir à sociedade e para seus problemas, não se proteger no nobre objetivo dos conteúdos instrutivos" (PETRUS, 2003:62). Isso, porém, ainda é pouco e mesmo inócuo se a escola não atuar em aspectos extra-escolares da vida social. Seria mais que ensinar a respeito e mais que mediar conflitos manifestados no interior da escola. É inaceitável que esta tenha missão diferente daquela posta, por exemplo, à pedagogia social:

Assim, pois, a "nova pedagogia social" não pode reduzir seu âmbito de atuação ao tratamento dos tradicionais problemas sociais. A educação social tem que refletir também acerca de sua intervenção, onde realizá-la e se perguntar por que o faz de uma maneira e não de outra. A educação social deve abrir novos espaços de reflexão e trabalho e, o que é mais importante, deve incidir nas causas dos problemas; deve prevenir as causas que os geram. (PETRUS, 2003:61)

Não é suficiente que se altere a dinâmica dos centros escolares para que se abram à cidade, às associações comunitárias e aos problemas sociais, exercendo a dupla função de "transferir instruções e prevenir e tratar do conflito e da violência". A insuficiência está em continuar reservando à escola a missão de "preparar para a vida" conhecendo-a apenas pelo estudo apartado da ação, mesmo recorrendo a "atividades sugestivas e motivadoras", pelo uso do esporte solidário e dos meios de comunicação. Propõe-se audácia na escolha de temas, mas, junto com a redundante timidez que enquadra a educação nos estritos marcos do ensino, da reflexão sobre a prática alheia e não sobre a própria e do inevitável confinamento à sala de aula.

A aula é, em suma, um espaço adequado para falar dos conflitos sociais, da televisão, da violência, do uso de drogas, das tribos urbanas e dos comportamentos no esporte e escolar. (...) Não tratar estes problemas, não introduzir o estudo do conflito social entre os conteúdos escolares pode ser um erro. (PETRUS, 2003:74)

Pensa-se, no máximo, em possibilitar que estudantes falem. Isso seguramente já seria muito, uma vez que, a estudantes, tradicionalmente lhes cabe apenas escutar. Mas a exigência está em docentes e estudantes agirem em conjunto sobre a realidade externa e interna à escola, supondo o exercício da fala e da escuta em reciprocidade. A prática escolar nessa perspectiva forneceria sentido a saberes escolares até então considerados indispensáveis ou fundamentais, independente do momento, finalidade ou motivos das pessoas implicadas em processos educacionais. Essa maneira de ver é persistente mesmo para quem adota uma visão ampla de educação, por exemplo:

(...) A escola deixou de ser o único lugar de preparação para a vida ativa, porque a própria vida está se transformando em uma escola de aprendizagem. Dessa realidade não podemos deduzir uma absorção da segunda pela primeira, mas uma coexistência, porque ambas se necessitam. Da primeira, são imprescindíveis os fundamentos básicos, de onde se deve integrar as novas aprendizagens; da segunda recebemos experiências, informação e o estímulo para ir pondo em dia continuamente os conhecimentos e suas aplicações nos âmbitos tradicionalmente estabelecidos. (ROMANS, 2003:144)

Para Trilla, o conceito de educação permanente é o mais totalizante para interpretar as atuais e as possíveis características da educação não formal.

O conceito de educação permanente é, sem dúvida, o mais amplo, genérico e totalizador. De fato, não é uma classe ou um tipo, ou um setor da educação, mas, uma construção teórica sobre o que deveria ser a própria educação. É a idéia que faz dela algo contínuo e inacabável, algo que abarca a biografia inteira da pessoa. (TRILLA, 1985:43)

Contudo, Trilla também menciona as ressalvas críticas de Gadotti (1979) e de Besnard & Liétard (1979) à educação permanente. O primeiro a vê como "expressão da consciência tecnocrática", como "racionalização produtivista e mecanismo de dependência sociocultural" e como "instrumento a serviço da despolitização da massa". Os demais denunciam a educação permanente como "religião nova e poção mágica". No entanto, Trilla entende que os fatores e o marco ideológico da educação permanente são os mesmos que baseiam a eclosão do discurso sobre a educação não formal, a qual potencializa meios e é apenas conseqüência necessária da pretensão de realizar o significado da educação permanente. Importa dizer que esse significado é útil para abrigar também a educação formal e, mais ainda, para fundamentar a necessária e proveitosa combinação entre não formal e formal. Aliás, nessa mesma linha, cabe lembrar que o sentido da educação permanente é condizente com o da educação ao longo de toda a vida, consagrado na Declaração Mundial de Educação para Todos, em 1990 (Cf. TORRES, 2004:97).

Um motivo saliente para conjugar o campo formal e o não formal sob a mesma grande concepção de educação está certamente na manifestação de problemas sociais (elementos de referência norteadora de muitas práticas não formais) no interior da escola quanto mais esta se massificou e incluiu camadas populares. O conflito e a marginalização social – comumente considerados desafios da educação não formal – tornaram-se também escolarizados, aproximando a escola de obrigações novas: "o novo cenário exige que os professores, que antes podiam se dedicar apenas à instrução, também sejam educadores sociais" (TRILLA, 2003:43).

As educações formais, não-formais e informais, o escolar e o social, estão cada vez mais entremeados, o que tem muito de positivo. Por isso, já não valem certos maniqueísmos, típicos em seu momento, do ar de família da educação social. (TRILLA, 2003:43)

Registradas as interseções, resta examinar as possibilidades de colaboração premeditada. Trilla (1985:117-121) afirma que a educação não formal pode substituir a escolarização convencional superior, secundária e profissionalizante por meios a distância e pode, ainda, reforçar a atuação escolar convencional por meio de programas de rádio e TV, de visitas a museus, bibliotecas, instalações agrícolas ou áreas da cidade. Outra possibilidade é a de aliviar ou complementar a escola na educação sanitária, sexual, cívica, física, artística e outros assuntos, durante a escolarização, bem como continuar o trabalho da escola após o período em que se a freqüenta. Três outras possibilidades são também indicadas: a de ser meio de reincorporar pessoas à escolarização convencional, a de provocar a inovação nesta (com a experimentação facilitada por seus menores limites burocráticos) e a de formar pessoal docente (como campo de provas para a prática e por programas a distância). Curiosamente, quando Trilla vai considerar aportes no sentido inverso, não encontra mais que os equipamentos escolares, os quais

Como pretendem as escolas comunitárias, podem converter-se, fora dos horários e calendários letivos, em recursos para atividades socioculturais e educativas da localidade onde estão encravadas. (TRILLA, 1985:121)

Só se pode entender essa discrepância porque a contribuição mútua e simétrica entre educação não formal e formal (dada a patente inadequação desta última) só poderá ocorrer com a superação da distinção entre uma e outra, de sorte que se conceba uma educação por inteiro, sem hierarquia de modalidades. Na educação não formal, a inexistência de vínculos orgânicos entre seus múltiplos e variados meios, instituições e programas proporcionaria menos esclerose burocrática, maior capacidade de adaptação a necessidades e abertura a iniciativas setoriais (TRILLA, 1985:121). Se suas vantagens são o oposto das desvantagens da educação formal, trata-se não só de manter aquelas vantagens na educação não formal como de enfrentar as desvantagens da educação formal. Isso é possível? Tem sido cada vez mais, por exemplo, nas organizações que constituem o ambiente do mercado econômico, que experimentam processos de desburocratização, o que implica também aspectos de democratização: a dissolução do formato piramidal altamente segmentado e hierarquizado do exercício de poder, eficiência centrada na iniciativa dos segmentos e não no cumprimento contínuo de regras da organização.

As diferenças entre o sistema escolar convencional e a educação não formal significam que ambos estão contrapostos e, quando muito, reforçam-se ou se complementam. Mas, as relações existentes entre escola e educação não formal são necessárias? Poderiam ser outras (de atuação integrada e intensa) se houvesse certo tipo de planejamento. Já na década de 1960, gestores da área educacional passaram a se inclinar fortemente para o conceito de planejamento. A busca de aproveitamento racional e sistemático de recursos para atingir fins teria implicado, segundo Trilla (1985:122), o reconhecimento do amplo e heterogêneo setor não formal, para o qual se apontaram três níveis: a) integração do setor não formal no planejamento geral dos sistemas educacionais; b) planejamento do setor não formal; c) planejamento de programas específicos de educação não formal.

A propósito do planejamento geral dos sistemas educacionais, Trilla nomeia Coombs (1976; 1976a), Paulston (1976), Callaway (1978) e Phillips (1978) entre os muitos autores que ressaltaram reiteradamente a necessidade de que tal planejamento seja amplo, integrador e compreensivo. Mas, a cisão entre o formal e o não formal é atribuída ao descuido, por parte da organização formal, em relação a novas necessidades decorrentes de mudanças tecnológicas, econômicas, culturais e sociais. Tal descuido, por sua vez, é imputado ao seu funcionamento inercial e à sua pouca sensibilidade (TRILLA, 1985:123). Talvez seja isso e talvez se explique em parte pela pouca sensibilidade da opinião pública (nesta incluída a do magistério) e, quando não é esse o caso, pela baixa capacidade de interação democrática entre sociedade civil e Estado.

Esse aspecto diz respeito ao fato de o planejamento educacional amplo e integrador ser necessário não só para fazer frente à "sobrecarga" da escola com demandas diversificadas, pela limitação dos recursos financeiros ou pela degradação da escola devido à massificação. Essa amplitude e integração é sobretudo necessária para uma educação criadora e para uma educação como convivência democrática: existência de um espaço público vigoroso, colaboração entre Estado e sociedade civil, não exclusivamente a atuação do Estado sobre a sociedade civil, nem estritamente para esta.

É claro que esse planejamento compreensivo, não obstante, não deve estrangular ou coartar o dinamismo do setor não formal mediante constrangimentos administrativos e dirigistas. (TRILLA, 1985:124)

Para o planejamento tendo em vista apenas o setor não formal, Trilla cita cinco tarefas expostas por Callaway (1976:43): a) distinção e classificação dos programas em andamento (para interrelacioná-los e divulgá-los); b) formulação de prioridades para financiar os programas (considerando tanto a carência de serviços não formais quanto as lacunas de sistemas formais); c) avaliação dos programas (que não podem sempre usar fórmulas acadêmicas, devido às suas dimensões de praticidade e aplicação imediata); d) administração e coordenação (evitando duplicidade de esforços e favorecendo a colaboração institucional entre órgãos públicos e entre estes e entidades privadas); e) fontes de financiamento (também a ser alcançadas pela coordenação).

Para o planejamento de programas específicos de educação não formal, Trilla indica a contribuição de vários autores, entre os quais menciona La Belle, que estabelece cinco profícuos princípios:

1) Compreender as necessidades das populações às quais estão dirigidos os programas;
2) Fazê-las participar de sua própria aprendizagem;
3) Facilitar a transferência e aplicação das novas condutas ao meio;
4) Vincular o programa e seus componentes ao sistema global, e
5) Dar importância aos incentivos internos e externos. (LA BELLE, 1980:256)

Pode-se ver que essa espécie de orientações não poderá deixar de cobrir inclusive e fundamentalmente os(as) educadores(as), se bastando às populações as quais se dirigem programas específicos de educação não formal, tampouco cingindo-se somente a estes, devendo informar também o planejamento da educação formal e o planejamento geral de sistemas educacionais. Se o sistema escolar convencional e a educação não formal se contrapõem ou no máximo chegam a reforçar-se ou se complementar, sua combinação em um sistema que ultrapasse a educação escolar e o integre proveitosamente com as demais práticas educacionais requer alterar os dois campos na medida mesma em que se busque que cooperem energicamente. Vale dizer que esse caminho só poderá ser percorrido pela luta por política educacional de grande amplitude, na qual se elabore a própria política educacional, instalando-se relações democráticas dentro e fora do Estado e entre este a sociedade civil.

 

Referências bibliográficas

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Por: Elie Ghanem


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